Matéria original: Diário de Minas
Cristiane Helena de Paula Lima Cabral*
“Data máxima vênia, o Pretório Excelso não pode negar ao apelo extremo do indigitado, pois não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, já que supedâneo no artigo 5º da Magna Carta poderá ensejar um ergástulo público demonstrando um despiciendo exacerbado pelo Douto Julgador no apreço à demanda. Concernente ao assunto em testilha, nenhum lambel o levaria a pouso cinéreo se houvesse acolitado o pronunciamento absolutório dos nobres alvarizes”.
Se fôssemos fazer uma enquete, certamente grande parte dos leitores encontrariam dificuldades em conseguir compreender, realmente, o que o parágrafo acima quis dizer.
Trata-se de expressões e palavras utilizadas comumente no Direito e nas produções dos advogados, juízes, desembargadores, ministros, promotores e defensores.
Mas você sabia que nos dias atuais há um movimento para modificar a forma da escrita?
Trata-se do “Movimento Linguagem Simples” que tem o seu dia internacional comemorado em 13 de outubro, data em que o presidente Barack Obama sancionou a Lei de Redação Simples (Plain Writing Act), em 2010, nos Estados Unidos, que trouxe a obrigação de que “todos os documentos federais sejam escritos em linguagem simples, em especial aqueles que tratem de direitos, benefícios e impostos”.
No Brasil, a Constituição de 1988 trouxe políticas universais que indicam a obrigação de o governo pensar mais na forma como presta os serviços e como se comunica com a população, para que esses serviços realmente cheguem até todas as pessoas.
Para tanto, o Governo Federal ao instituir a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Lei do Governo Digital (Lei nº 14.129/2021), também reforça a ideia de inclusão ao falar sobre o “direito de acesso à informação de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão” (artigo 5º da Lei nº 12.527/2011) e no uso da “linguagem clara e compreensível a qualquer cidadão” (artigo 3º da Lei nº 14.129/2021), além de a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) garantir, aos titulares, a exatidão e clareza no tratamento de dados pessoais (artigo 6º) .
O primeiro parágrafo desse texto mostra como o uso de uma linguagem burocrática ou jurídica acaba por afastar a população e dificultar o acesso a serviços e direitos.
E por que é importante simplificarmos não só a escrita, mas também a fala?
Vivemos em um País em que cerca de 3 em cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais e isso, portanto, só acirra as desigualdades sociais enfrentadas pela população, que também possui baixo nível de escolarização.
Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2022, mostram que 50% dos estudantes brasileiros tiveram baixo desempenho na leitura, atingindo uma medida de proficiência de 410 pontos, enquanto a média da OCDE é de 476 pontos. Isso aponta que os estudantes brasileiros seguem no nível básico de leitura, mesmo depois de concluírem a escola.
A adoção de linguagem simples, não só pelo Poder Público, mas por todos os órgãos e entidades que atendem à população brasileira, visa permitir que todos tenham acesso à informação de qualidade, garantindo a democratização e a garantia do acesso à justiça, e que o leitor consiga interpretar com facilidade e clareza a mensagem que uma informação tenta passar.
* Mestre e Doutora em Direito Público Internacional. Servidora do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Co-fundadora de duas startups na área da educação. Mãe de duas pequenas grandes mulheres.